Desburocratizar uma ferramenta de trabalho
Mariana Barbosa
Quando se fala em jato executivo, a maioria das pessoas pensa logo num bilionário bronzeado descendo a escadinha em Angra dos Reis com uma modelo a tiracolo. Ou talvez Bobby Axelrod em seu luxuoso Gulfstream a caminho de um show do Metallica.
A realidade, no entanto, é um pouco menos glamourosa: a aviação executiva serve ao mundo dos negócios mais do que ao mundo do prazer.
Para redes varejistas como o Magazine Luiza, que possui mais de 800 lojas espalhadas pelo país, o aviãozinho é ferramenta de trabalho. Nem m esmo Franca, a cidade do interior de São Paulo que é a sede original da companhia, é atendida pela aviação regular.
Aeronaves particulares pousaram em 1.225 cidades do país no ano passado. Já as linhas aéreas regulares chegam a apenas 126 cidades – sobretudo graças à Azul, que atende mais de 100 destinos. (As demais não passam de 40 ou 50 cidades)
“Em um país com as dimensões do Brasil, voar é uma questão de mobilidade. Não é luxo, esbanjação ou mordomia”, diz Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação, think tank que edita o Anuário Brasileiro de Aviação Civil, cuja edição 2018 será lançada durante a LABACE, a feira de aviação executiva que acontece semana que vem em Congonhas.
O anuário revela que a frota brasileira de aeronaves particulares – um grupo absolutamente heterogêneo que vai de um teco teco ao mais luxuoso dos jatos executivos e helicópteros – cresceu 41% na última década. São 15.361 aeronaves, a 2ª maior frota do mundo.
No ano passado, a frota estagnou (foram só 19 aeronaves a mais, um crescimento de 0,1%). Mas o setor dá os primeiros sinais de recuperação: mesmo com a recessão, o número de pousos e decolagens subiu 13% para 582 mil – ainda abaixo dos 686 mil de quatro anos atrás.
Apesar da resiliência na crise, o setor vive uma briga para convencer a classe política – que, diga-se, adora um jatinho – de sua importância como instrumento de trabalho.
Nos EUA tudo é feito para facilitar a vida dos voos executivos. Não é incomum os passageiros entrarem de carro ou Uber no pátio geral dos aeroportos a poucos metros dos aviões.
Mas enquanto lá a aviação executiva é recebida com tapete vermelho e usufrui de uma malha de aeroportos privados, por aqui ela convive com ranço e preconceito por parte de todo o sistema – desde reguladores aos funcionários que atuam nos aeroportos públicos e no controle de tráfego aéreo. “A maioria deles vê um jatinho como ostentação e não como ferramenta de trabalho”, diz um empresário que voa muito.
Paulatinamente, os slots destinados aos voos da aviação geral vêm sendo reduzidos no aeroporto de Congonhas, e o fechamento do Campo de Marte volta e meia entra na pauta. O setor vive ainda sob a ameaça da “PEC dos jatinhos”, projeto que ressurge sempre que um político quer posar de Robin Hood.
Tramitando no Congresso desde 2012, a PEC 140 propõe estender a cobrança do IPVA a veículos aéreos e aquáticos: helicópteros, jatinhos, turboélices, lanchas, iates e até jet skis.
Considerando a frota de 15 mil aeronaves, a arrecadação está longe de resolver o ajuste fiscal e, para os proprietários, é uma dupla tributação.
“A PEC trata o avião executivo como se fosse um Lamborghini ou iate, e como se não houvesse propósito social em expandir as fronteiras do desenvolvimento econômico do país. Quando você asfixia a aviação geral, você está matando a mobilidade do país”, defende Lyra.
A aviação já paga – caro – pelo uso da infraestrutura, por meio de taxas de pouso, comunicação e aeronavegabilidade. Um voo de Congonhas para o Nordeste pode custar mais de R$ 2 mil só de taxas.
Ao invés de mais impostos, o setor defende uma mudança no sistema de cobrança das taxas aeroportuárias que, além de simplificar a vida do operador, pode ajudar reduzir a sonegação: concentrar tudo na bomba.
É o modelo americano. Na hora de abastecer, o operador paga as tarifas aeroportuárias junto com o combustível. Depois, as distribuidoras fazem o rateio dos recursos para o aeroporto e para o Controle de Tráfego Aéreo. Para isso, a tarifa deve ser padronizada – hoje ela é baseada no peso do avião.
A cobrança na bomba faria com que mais operadores pagassem para voar. No caso da navegação aérea, o operador do avião só paga pelo uso da infraestrutura se fizer contato, durante o voo, com o controle de tráfego aéreo. Esse contato deveria ser a norma.
“Infelizmente, tem gente que trafega nos corredores visuais da Terminal São Paulo com o transponder desligado para não aparecer no radar de controle de tráfego aéreo. O problema é que isso faz que o alarme anticolisão (TCAS) não funcione”, diz Lyra. “Temos um sistema gigantesco – e uma parcela dos usuários não paga nada”.
Publicado originalmente em: Brazil Journal